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quinta-feira, 23 de agosto de 2012

MEIO-DIA


Não é possível. Faz quase trinta minutos que estou parado aqui, embaixo do sol, impedido de dar alguns passos pra lá ou pra cá. Como uma pessoa pode falar tanto? Em alguns momentos ela esboça um choro, em outros se torna mais agressiva. Fala em voz alta, tentando se fazer ouvir quando a agressividade recua. Logo a agressividade volta, seguida do choro que já não é mais um esboço.

Esse tipo de situação já me incomoda naturalmente, mas agora isso está passando dos limites. Olho no relógio e vejo que já se passaram mais dez minutos. Quarenta minutos aqui sem poder tomar uma atitude. Que lástima! Até poderia falar alguma coisa mas sinto que isso não me diz respeito, apesar de ter uma relação indireta comigo. Afinal, se não fosse por ela, eu poderia estar longe daqui a essa altura.

Todos os tipos de sentimento humano já passaram por mim nesses quase cinqüenta minutos. Já dei risada e já fiquei com raiva. Mas não adianta. Parece que ela não vai parar de falar nunca! Meu Deus, alguém tem um esparadrapo para calar a boca dessa mulher? Começo a olhar pro lado e vejo que algumas pessoas começam a se juntar em volta de nós. Não há nem um banco pra eu me sentar e descansar as pernas e o sol forte não dá trégua! Se eu soubesse que isso iria acontecer, eu teria trazido uma garrafinha de água. Ou quem sabe alguma outra bebida e uns aperitivos, pra comer antes de almoçar.

Almoçar... Notei agora que tenho fome. E não há nenhuma chance de almoçar na hora hoje. Por que eu não trouxe um pacotinho de bolachas água e sal? Minha barriga começa a doer de fome. Eu deveria desistir de tudo e ir embora, mas falta coragem. Afinal, já deve estar acabando. Já estamos aqui há uma hora e ninguém pode ser capaz de falar tanto assim, quase ininterruptamente. Espero que a voz dela acabe logo. Pelo menos, antes que eu derreta nesse calor.

Calor, muito calor. Isso dá dor de cabeça. Fome, muita fome. Isso também dá dor de cabeça. A pior coisa quando se tem dor de cabeça é alguém berrando na sua orelha. Eu estou com fome, com calor, com dor de cabeça e há alguém berrando na minha orelha. Não é bem na minha orelha, mas estamos próximos o suficiente para que eu ache que os berros dela estão dentro do meu cérebro, amplificados pelo mais potente sistema de som já criado no mundo. Isso está ficando absurdo.

As pessoas que se juntaram ao redor já começam a olhar impacientes para o relógio também. Acredito que todas elas estejam chegando ao ponto em que estou, embora eu tenha ficado mais tempo aqui. Será que ela nunca mais vai largar esse orelhão? Já estamos há quase uma hora e quinze minutos esperando essa mulher largar o telefone, esperando que acabem seus créditos ou a sua voz! Estou suado, com fome, com calor, com dor de cabeça, irritado... mas finalmente ela olhou pra trás e viu a fila que estava ali. Com um certo constrangimento ela desliga o telefone depois de  uma rápida despedida.

Ainda bem que eu era o próximo da fila! Com as mãos tremendo de emoção, me dirigi ao orelhão como um atleta próximo à linha de chegada. Meu Deus, falta tão pouco...Ainda bem que a minha ligação é rápida. É só um recado. Finalmente chegou minha vez! Nem acredito. Só preciso abrir a carteira para pegar o cartão, dar meu telefonema e finalmente poderei almoçar. Estou quase chorando de felicidade quando abro a carteira e... Opa! Espera aí! Onde está o meu cartão? Não acredito! Que raiva! Ah! Agora me lembro... Deixei o cartão em cima da mesa do escritório!

 NOTA DO AUTOR:Este é um texto curto que escrevi para o blog da faculdade quando estava no primeiro semestre. Para os mais novos ou já habituados com o uso de celulares, talvez ele não faça muito sentido. Mas acreditem: já houve uma época em que esse tipo de situação era bem provável de acontecer.

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