...foi gritando isso que a louca entrou na rotisserie, após amarrar seu poodle do lado de fora da loja. Ela vestia uma jaqueta esportiva vermelha, colada ao corpo, denunciando que a sua única ligação com esportes era a jaqueta. Não conseguindo resposta, urrou novamente:
— Boa tarde, meu povo! — conseguindo, finalmente, a resposta tímida de alguns funcionários que deixavam seus esconderijos, atrás do balcão
.
Imaginei logo se tratar de alguma figura política, alguma vereadora, defensora do bairro ou algo do tipo. Mas não, era apenas uma mulher sem noção mesmo. Isso ficou provado, após algumas outras falas, em que usou a impostação de voz típica de atores que precisam se fazer ouvir na última fileira do teatro. No caso, a platéia éramos nós, meia-dúzia de clientes. E nenhum parecia interessado na peça.
Seu pequeno poodle acompanhava a dona com o olhar, por vezes dava pulos, e latia, como se os dois, cão e dona, fossem protagonistas da peça, cujo enredo, obrigava a dona a ignorá-lo.
Eu estava ali, olhando produtos de uma prateleira, no meio do caminho onde a mulher deveria passar para seguir seu roteiro. Então ela pára em frente a uma barra de chocolates, pegando-a na mão, e diz, em altos brados:
— Que loucura! — Com o raciocínio rápido de quem costuma fazer piadas e lento como o de quem costuma dar foras em público, penso em voz alta:
— Também acho! — O breve silêncio durou a eternidade. E alguns anos mais.
Mas a mulher era inofensiva. Poderia ter brigado comigo, se tivesse percebido que a loucura a que eu me referia era a dela e não a do chocolate. Mas talvez ela nem tenha ouvido. Geralmente, essas pessoas não ouvem. Quem fala alto, nunca ouve os outros. É como contar piadas para um humorista. Alguém já tentou ser engraçado para um humorista? Poupe-se dessa frustração, se houver chance. Parece que para humoristas, a graça está justamente em não rir do que você fala.
Voltando ao assunto, cheguei à conclusão de que a tal mulher deveria ser apenas uma pobre solitária, largada pelo marido, talvez pela família (alguém arrisca adivinhar o motivo?), que se sente querida e amada pelos comerciantes do bairro. Embora para eles ( e nós, clientes) a coisa não seja bem assim. Sem mais o que dizer, termino essa crônica por aqui. Mas não sem antes desejar BOA NOITE, MEU POVO!